potência

Potência – A Vida Como Expressão e Intensidade

O conceito de potência é um dos pilares do pensamento da imanência. Ele percorre a filosofia de Baruch Spinoza, Nietzsche, Deleuze e Guattari, entre outros, sempre ligado à ideia de força, capacidade de agir e transformação da existência.

Ao contrário das concepções tradicionais que veem a vida como um dado fixo, regido por leis externas ou por essências imutáveis, o pensamento da diferença entende a existência como processo, variação e devir. E a potência é justamente aquilo que mede a intensidade com que um ser pode afirmar sua existência no mundo.

Mas como ela se diferencia do poder? E como podemos pensá-la não como algo abstrato, mas como uma experiência concreta da vida?


1. Potência em Spinoza – O Que Podemos?

Para Baruch Spinoza, a potência (potentia) é a capacidade de um ser de afirmar sua essência no mundo, através de sua ação e de sua relação com os afetos. Em sua Ética, ele afirma que:

“Cada coisa, tanto quanto está em si, se esforça por perseverar em seu ser.” (Ética, III, Prop. 6)

Esse esforço de existir é chamado de conatus – a tendência de cada ser de perseverar na existência e expressar sua potência da melhor forma possível. Esse esforço vital não é apenas um instinto de sobrevivência, mas uma força ativa, que busca aumentar sua potência de agir.

Potência ≠ Poder

É fundamental não confundir potência com poder.

  • Potência (potentia) é a capacidade real de um ser de agir, de afetar e ser afetado, de transformar e se transformar.
  • Poder (potestas) é uma estrutura externa que limita ou organiza a potência de agir, seja por meio de leis, normas, repressões ou hierarquias.

O Estado, por exemplo, exerce poder, mas não necessariamente amplia a potência dos indivíduos. Muitas vezes, seu objetivo é canalizar, limitar ou regular a potência, impondo formas de vida padronizadas.

A potência, por outro lado, não se preocupa com hierarquias ou modelos preestabelecidos. Ela não precisa de permissão para existir – ela simplesmente se expressa.


2. Alegria e Tristeza – A Medida da Potência

Se a potência é a força de agir e existir, como sabemos quando ela está aumentando ou diminuindo? Para Spinoza, isso se mede pelos afetos fundamentais:

  • Alegria = aumento de potência
  • Tristeza = diminuição de potência

Quando experimentamos alegria, nossa potência se expande, pois somos afetados de maneira a aumentar nossa capacidade de agir e pensar. Já a tristeza ocorre quando somos afetados de forma a diminuir nossa potência de agir e existir..

Por isso, Spinoza vê na ética da potência uma busca por relações e encontros que aumentem nossa capacidade de existir, afastando-se (ou se ressignificando) das paixões tristes que nos enfraquecem.


3. Nietzsche e a Vontade de Potência

Se Spinoza nos ensina que a vida é medida pelo aumento ou diminuição da potência, Nietzsche leva essa ideia adiante ao introduzir o conceito de vontade de potência (Wille zur Macht).

Para Nietzsche, a vida é essencialmente um impulso de superação, de experimentação, de criação. A vontade de potência não é apenas um impulso de autoafirmação, mas a dinâmica das próprias forças que constituem a vida, impulsionando tanto a criação quanto o conflito e a transformação.

Potência como Criação

A moral tradicional ensinou que devemos nos submeter a regras externas e a ideais transcendentes (Deus, verdade absoluta, dever moral). Mas Nietzsche nos mostra que viver sob essas regras não é viver em potência, mas em ressentimento, pois isso significa negar a própria vida em nome de algo externo.

A vontade de potência, ao contrário, é o impulso de afirmar a existência sem precisar de justificativas externas. É o desejo de criar valores próprios, em vez de simplesmente obedecer aos valores impostos.


4. Deleuze e Guattari – Potência como Fluxo e Intensidade

Deleuze e Guattari expandiram essa ideia para um pensamento não individualista, mas rizomático.

Para eles, a potência não está no “eu”, mas nas conexões que se formam no mundo. Somos máquinas desejantes, e nossa potência depende das relações que estabelecemos com outras forças.

O que isso significa?

  • Você não tem uma potência isolada – sua potência aumenta ou diminui conforme as conexões que estabelece com outras forças no mundo.
  • O desejo não é falta, mas produção – diferente da psicanálise, que vê o desejo como falta, Deleuze e Guattari mostram que o desejo é potência de criar, de inventar, de se conectar.
  • A potência não se mede por identidade, mas pela variação da capacidade de se conectar com diferentes forças e fluxos, criando novas composições no mundo.

Se Spinoza diz que nossa potência cresce quando encontramos algo que nos fortalece, Deleuze e Guattari mostram que isso não acontece de maneira linear, mas em fluxos, em múltiplas direções.


5. Potência na Vida e na Cultura

Pensar a potência como um conceito abstrato não é suficiente. Ela se manifesta no cotidiano, nas relações sociais, na política e na cultura.

Na Vida Pessoal

  • Viver na potência significa criar encontros que te fortaleçam – evitar ou ressignificar relações que drenam energia e buscar ou criar experiências que expandem sua força vital.
  • Parar de se medir por padrões externos – sucesso, identidade, reconhecimento social são medidas do “poder” externo, não da potência intrínseca de cada ser.
  • Criar ao invés de apenas reagir – quanto mais você experimenta e cria, mais a vida se torna potência em movimento.

Na Cultura e na Sociedade

  • O poder sempre tenta limitar e organizar a potência – seja nas leis, nas normas sociais, nos ideais de identidade fixa.
  • A mídia e a cultura muitas vezes promovem formas de vida que reduzem a potência, seja pelo consumo passivo ou pela disseminação de paixões tristes (medo, ressentimento, culpa).
  • A política da potência não se trata de conquistar posições de poder, mas de criar novos modos de vida, novas formas de existência que rompam com os modelos estabelecidos.

Potência Como Ato de Existência

Potência não é força bruta, não é dominação, não é controle. Potência é vida em expansão.

  • Em Spinoza, é a capacidade de existir e agir conforme nossa natureza, buscando o que nos fortalece.
  • Em Nietzsche, é a vontade de criar, de afirmar a vida sem precisar de justificações externas.
  • Em Deleuze e Guattari, é fluxo, intensidade, conexão – não um atributo pessoal, mas um campo de forças em movimento.

Viver na potência é viver sem se submeter aos modelos impostos, sem precisar de um “sentido externo” para validar a própria existência. É experimentar, afirmar, criar – fazer da vida um processo ativo, e não um reflexo do que esperam de nós.

A potência não se alcança – ela se vive.

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